Este projeto investiga as transformações nas subjetividades contemporâneas e nos modos de existência amalgamados com as tecnologias digitais, articulando contribuições da psicanálise e de saberes conexos. Busca-se compreender como as redes sociotécnicas operam simultaneamente como dispositivos de controle e espaços de reinvenção de si, tensionando dinâmicas de sujeição e emancipação. A hipótese central é que a hibridação humano-máquina, não apenas reproduz estruturas de poder e patologias psíquicas (como alienação e fragmentação identitária, entre outras), como também abre brechas para práticas criativas de subjetivação, nas quais desejo e simbolização encontram outras formas de engendramento.

Dentre nossos objetivos, destacam-se:

  1. Analisar como as plataformas digitais funcionam como dispositivos biopolíticos que normalizam corpos e subjetividades através da vigilância algorítmica, de métricas de engajamento e do incentivos à hiperexposição etc.;
  2. Explorar as novas formas de subjetivação através de noções como as de espaços transicionais digitais (ambientes onde a simbolização e a experimentação identitária se dão através de avatares, memes e interações virtuais), virtualização da experiência de si, fragmentariedade e fluidez nas e das relações identitárias (mais abertas, experimentais e transitórias) etc.;
  3. Investigar a dialética entre assujeitamento (via captura do desejo por algoritmos) e agenciamento (por meio de resistências estéticas e políticas).

De um lado, a teoria foucaultiana sobre as tecnologias do poder e as tecnologias do self estrutura a análise do digital como campo de governamentalidade, onde plataformas disciplinam condutas através de micropenalidades (ex.: exclusão de conteúdos) e recompensas simbólicas (ex.: validação por likes). De outro lado, a psicanálise oferece uma chave para compreender como os sujeitos utilizam as ferramentas digitais para elaborar angústias, fazer laços, desenhar identidades e negociar fronteiras entre público e privado — por exemplo, a noção de espaço potencial (Winnicott) pode ser relida para pensar ambientes online como zonas de experimentação segura, onde a fluidez identitária desafia as normas sociais.

A pesquisa pretende, assim, demonstrar que as subjetividades digitais emergem na intersecção entre três eixos:

  1. Biopolítica algorítmica: as redes operam como máquinas de produção de subjetividades dóceis, moldadas por métricas de visibilidade e lógicas de competição;
  2. Clínica do virtual: espaços online funcionam como cenas transicionais onde sujeitos elaboram conflitos psíquicos (ex.: luto projetado em memes, identidades de gênero testadas em avatares), atualizando a noção de objeto paradoxal — aquilo que é e não é o self.;
  3. Estéticas da existência digital: práticas como a curadoria crítica de perfis, a encenação irônica de identidades e o ativismo de dados revelam tentativas de ressignificar o poder tecnológico em agenciamentos coletivos.

Ao integrar psicanálise, filosofia, antropologia e outros saberes do campo das Humanidades, este projeto propõe uma leitura original das redes e do espaço digital/ virtual como dispositivos clínico-políticos, onde poder e desejo se entrelaçam na produção de novos modos de existência. Sugere-se que a subjetividade digital não é mero reflexo da alienação tecnológica, mas um processo em disputa, no qual a (re)invenção de si coexiste com novas formas de sofrimento. As implicações éticas derivadas apontam para a urgência de políticas que reconheçam a complexidade psíquica da vida online, indo além dos discursos simplistas sobre “vício em redes” ou “desumanização digital”